Gostamos de ser seres racionais, civilizados, atenciosos, humanitários, inteligentes. Mas a verdade é que às vezes a nossa vertente animal vem ao de cima. Sonhamos, imaginamos, temos esperança, acreditamos, temos fé. Mas, de facto, vivemos numa autêntica selva, que nos faz comportar como verdadeiros animais, do estilo barata ou formiga, sempre agarrados ao chão, ou até serpente, o animal que ocupa o lugar de ‘animal mais asqueroso e inútil’ da cadeia animal desde os tempos da Criação. E sempre, sempre no chão. Rastejamos, arrastamo-nos, tentamos sobreviver e damos tudo, fazemos tudo o que podemos, mas nunca nada é suficiente, porque nunca somos assim tão bons. Nunca pensamos como queríamos pensar, nunca falamos como queríamos falar, nunca chegamos a comprar a camisola com que tanto temos sonhado, nunca escrevemos tudo aquilo que queríamos escrever num exame, nunca o que tínhamos planeado é de facto o que acontece. Nunca fazemos nada à primeira. Nunca tomamos as melhores decisões na melhor altura e nunca mas nunca voltamos a ser o que éramos num tempo que passou. Éramos, fomos, não somos mais. É então que nos agarramos ao mais ínfimo, pequeno e insignificante pormenor da nossa tão estranha mas tão ‘nossa’ vida e tentamos construir um palácio a partir dele, tentamos transformar um pequeno gesto numa grande obra, no fundo, tentamos provar a nós mesmos, mais do que aos outros, que somos capazes, que nada nos impede de fazer o que tanto queremos, que somos um exemplo dos tais ‘seres racionais e civilizados’. Mas há segundos da nossa vida em que não queremos tentar mais, em que somos verdadeiros revolucionários do nosso próprio mundo.
Porém, depois de todo este cansaço de uma semana que, por várias razões, não correu bem, regresso ao meu esconderijo, à minha toca, ao meu outro lado do espelho. A minha casa que, como canta o Tim, ‘as saudades que eu já tinha da minha alegre casinha tão modesta quanto eu’! O único lugar no universo onde me sinto eu, onde me fazem sentir 100% eu e onde eu não tenho de ser mais ninguém. O único lugar onde me sinto protegida, onde ninguém me pode magoar ou atingir. O único lugar no qual posso mergulhar em pensamentos proibídos sem ninguém saber. E cá estou eu, protegida pelo Marão e por todas as suas encostas, uma menina que nasceu no refúgio da montanha e que tantas vezes para ela quer voltar.
Semana chatinha, esta última. Demasiadas correrias, demasiadas noites mal dormidas, demasiadas preocupações. Demasiadas sombras a querer voltar, demasiados fantasminhas a pairar por aí.
E demasiados encontros de 3º grau. Ontem, olhei-me ao espelho e não gostei.
‘Life, and the world, and mine own self, are changed. For a dream's sake.’
Christina Rossetti
Porém, depois de todo este cansaço de uma semana que, por várias razões, não correu bem, regresso ao meu esconderijo, à minha toca, ao meu outro lado do espelho. A minha casa que, como canta o Tim, ‘as saudades que eu já tinha da minha alegre casinha tão modesta quanto eu’! O único lugar no universo onde me sinto eu, onde me fazem sentir 100% eu e onde eu não tenho de ser mais ninguém. O único lugar onde me sinto protegida, onde ninguém me pode magoar ou atingir. O único lugar no qual posso mergulhar em pensamentos proibídos sem ninguém saber. E cá estou eu, protegida pelo Marão e por todas as suas encostas, uma menina que nasceu no refúgio da montanha e que tantas vezes para ela quer voltar.
Semana chatinha, esta última. Demasiadas correrias, demasiadas noites mal dormidas, demasiadas preocupações. Demasiadas sombras a querer voltar, demasiados fantasminhas a pairar por aí.
E demasiados encontros de 3º grau. Ontem, olhei-me ao espelho e não gostei.
‘Life, and the world, and mine own self, are changed. For a dream's sake.’
Christina Rossetti
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